domingo, 14 de dezembro de 2014

A segunda lei da termodinâmica aplicada à História

 

O José Pacheco Pereira escreveu aqui um texto interessante (ficheiro PDF) — o que já é coisa rara no nosso panorama da chamada “cultura intelectual”, o que corrobora a ideia de um fim de ciclo civilizacional.


Depois de um ciclo começa outro; o homem religioso propriamente dito vê a História em ciclos — desde o ciclo temporal e alternado do sagrado e do profano, até aos ciclos da História que se renova; e mesmo o Cristianismo que se arroga herdeiro da História linear judaica, anuncia a escatologia do “fim dos tempos” que dará lugar a um novo ciclo. Fernando Pessoa materializou o conceito dos ciclos da História através da noção da “velhice do eterno novo”.

O conceito de “história cíclica” é profundamente anti-hegeliano — e talvez seja essa uma das razões por que o José Pacheco Pereira se diz “agnóstico”, sendo que o agnosticismo é uma forma religiosa que se baseia essencialmente em uma espécie de monismo, seja este mecanicista (materialismo) ou dialéctico (Hegel) — porque não concebe o “progresso na Terra”.

De certa forma, a ideia de “história cíclica” aproxima-se do conceito do Eterno Retorno de Nietzsche e/ou dos Yuga dos brâmanes hindus, com a diferença de que o homem religioso não vê, nos ciclos da história, a expressão de um absurdo existencial, mas antes vê neles algo que dá sentido à existência (no sentido terrestre), na esperança de um Nirvana ou de uma vivência na Transcendência.

Não me lembro se foi Spengler que escreveu que “quanto mais se desenrola a História, menos tem para desenrolar”. É como se os acontecimentos tivessem um limite físico, uma finitude endógena, e depois se repetisse tudo outra vez, embora com outras cores — a essência mantém-se, a forma muda. Ao mudar a forma, parece-nos que a essência muda também.

O problema é o de saber se, com o globalismo, haverá espaço para ciclos históricos alternativos, porque um sistema isolado (fechado) exige que a entropia1 aumente com a passagem do tempo. A globalização (que não é a mesma coisa que “globalismo”, e que existe pelo menos desde o século XV) tolerava a existência de sistemas alternativos (embora sujeitos a uma hierarquização valorativa subjectiva ou objectiva) que comunicavam autonomamente entre si, e portanto não havia propriamente um sistema isolado/fechado. Havia trocas entre os vários sistemas.

Com o globalismo, paradoxalmente, a diferença (entre sistemas) vai sendo triturada à medida em que a entropia vai alcançando o seu valor máximo2 .

Quando Agostinho da Silva dizia que “do português há a esperar tudo, e haver um povo no Mundo do qual tudo há a esperar parece-me ser uma coisa extraordinária” — isso foi ainda no tempo subjectivo dele em que a imprevisibilidade do povo português ainda era um facto.

Com a entropia em um sistema fechado (globalismo), a degradação da energia é irreversível e toda a evolução se produz no sentido de estados cada vez mais prováveis e previsíveis. A imprevisibilidade vai desaparecendo à medida que a entropia avança e vai atingindo o seu máximo possível. Este crescendo da entropia globalista constitui um regresso progressivo a uma não-diferenciação da qual teria nascido a História — um regresso cíclico à “matéria inerte” da História que se traduz, como escreveu o José Pacheco Pereira, nos exemplos do “quadro branco de Malevitch, o urinol de Duchamp, o Finnegans Wake de Joyce, o teatro de Beckett, a música de John Cage, as imagens de Andy Warhol”. Enfim, desemboca-se no deserto da História.

Porém, nesta evolução entrópica da História em direcção ao estado mais provável, admite-se hoje que o desenrolar dos acontecimentos possa ser “travado” — por dados ainda não integrados pela teoria da relatividade — através do conceito de neg-entropia. Os sistemas ainda vivos e relativamente autónomos protegem-se do caos circundante criando uma ordem interna específica e própria (retorno ao nacionalismo), em uma espécie de “casulos” semi-autónomos que negam o sistema fechado globalista, por um lado, e por outro lado, exportam a sua própria entropia para os sistemas vizinhos, reforçando assim a sua própria ordem interna.

Portanto, o ciclo fecha-se e abre-se outro. Deste fechar de ciclo, muitos sistemas desaparecerão — aqueles que recusaram reconhecer que em um sistema globalista isolado se evolui irreversivelmente de tal modo que a energia se degrada (por dissipação parcial irrecuperável) em direcção ao seu máximo de entropia.

Notas
1. A entropia é a medida do grau de organização em um sistema isolado/fechado. Um aumento da entropia significa um decréscimo da organização de um sistema.
2. A Segunda Lei da Termodinâmica, também conhecida como Princípio de Carnot, estabelece que os processos que ocorrem naturalmente num sistema isolado aumentam, ao longo do tempo, a entropia do sistema. Ou seja, a quantidade de entropia (desorganização, ou desordem) de qualquer sistema isolado [fechado] tende a aumentar com o tempo e de uma forma espontânea, até alcançar um valor máximo.

1 comentário:

  1. Divulguei:

    http://historiamaximus.blogspot.pt/2015/07/a-segunda-lei-da-termodinamica-aplicada.html

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